RESENHA
DE LIVRO: FROES, Luciana e
ROLDAO, Ana. Rio, Paisagem Gastronômica. Rio de Janeiro: Editora Nau das Letras,
2016. 180p.
Sinopse: O Livro Rio, Paisagem Gastronômica aborda a gastronomia
contemporânea do Estado do Rio de Janeiro, a releitura de ingredientes
tradicionais da história culinária da região pelos chefs atuais, o universo de
produtores que cultivam estes ingredientes e sua importância econômica para o
estado.
Autor: Ítalo de Paula Casemiro[1]
Rio, Paisagem Gastronômica
Rio,
Gastronomic Landscape
Livros sobre culinária
estão proliferando-se nas livrarias. De modo geral, são livros que trazem
receitas, das mais diversas e variadas, mas que muitas vezes deixam de lado
aspectos tão importantes quanto as técnicas culinárias. Dentro deste universo
de publicações voltadas à gastronomia, aquelas que dedicam-se ao tema da
gastronomia brasileira são limitadas e trazem, muitas das vezes, um apanhado
resumido do universo gastronômico brasileiro, caracterizado por uma diversidade
imensurável de preparações culinárias, influenciadas por diversas culturas.
Convenhamos que, não trata-se de uma tarefa simples, contemplar toda a
gastronomia brasileira em um único livro, afinal, trata-se de uma país de
tamanho continental e rico em diversidade de ambientes e pessoas. Assim, quando
pensamos em livros voltados para culinárias regionais, a tarefa de encontrar
boas obras torna-se ainda mais limitada. Dentro deste contexto surge o livro “Rio,
Paisagem Gastronômica”.
Rio
Paisagem Gastronômica é um livro que se propõe a conduzir o leitor a um
redescobrimento das origens da culinária carioca/fluminense. Por meio de um
resgate histórico até uma contextualização contemporânea, o livro reconstrói as
origens dos hábitos alimentares cariocas.
O
livro possui 180 páginas, escritas em duas línguas (português e inglês) e está
organizado em três capítulos. O primeiro deles intitulado “Do Kaûi ao Vinho do
Porto” (SILVA, R. F. da, 2015, p. 11), escrito pela historiadora Ana Roldão, o
segundo intitulado “Que Sabor o Rio Tem?” (SILVA, R. F. da, 2015, p. 45) e o
terceiro “Rio, Celeiro de Produtos de Valor” (SILVA, R. F. da, 2015, p. 125),
estes dois últimos escritos pela crítica gastronômica Luciana Froés.
No capítulo inicial, intitulado do “Do
Kaûi ao Vinho do Porto” (SILVA, R. F. da, 2015, p. 11), (aliás, Kaûi ou cauim,
trata-se de uma bebida fermentada indígena, utilizada em rituais e
festividades, feita a partir de milho, caju entre outras frutas, mas principalmente
da mandioca ou aipim, para os cariocas1), Ana Roldão relata na
sessão “Como Tudo Começou” (SILVA, R. F. da, 2015, p. 11), como a culinária
carioca origina-se da miscigenação dos povos indígenas (primeiros habitantes),
portugueses (colonizadores) e africanos (escravos trazidos da África). Tudo começa com a chegada dos portugueses e o
estabelecimento das Capitanias Hereditárias, no caso do Rio de Janeiro, as
Capitanias de São Tomé e de São Vicente, posteriormente, o estabelecimento da
Capitania Real do Rio de Janeiro, por Estácio de Sá – militar português e
primeiro governador-geral desta Capitania. Muitas técnicas de preparo e
ingredientes da culinária carioca são de origem indígena, mas com a chegada dos
colonizadores e, juntamente com eles, os escravos, ocorrem diversas adaptações
para agradar o paladar europeu.
Na sessão “Falando da Colônia” (SILVA,
R. F. da, 2015, p. 12), a autora retrata o período do Brasil Colônia, onde as
trocas culinárias entre portugueses e nativos são intensificadas, no entanto,
destaca-se que os indígenas não consumiam os produtos vindos de Portugal, pois
estes eram destinados as elites. Nesta época, os alimentos eram ofertados em
armazéns, casas públicas e cabanas ao longo da ribeira do mar, além dos
vendedores ambulantes (em sua maioria, mulheres negras) que faziam comércio
local de aves, milho, leite, café, entre outros gêneros.
“A Chegada da Família Real Portuguesa”
(SILVA, R. F. da, 2015, p. 13), nesta sessão, a autora relata as mudanças
decorrentes da chegada da família real em 1808, que representou um marco nos
hábitos da população em vários aspectos: desde os hábitos alimentares aos modos
de se vestir, pois todos desejavam copiar os hábitos da realeza. Neste mesmo
período foi inserido, progressivamente, a culinária portuguesa, visto a chegada
junto à família real, de cozinheiros e livros de receitas. A princesa Carlota
Joaquina foi uma das primeiras a impor novas regras à mesa.
Na sessão “A Cidade e Novas
Influências” (SILVA, R. F. da, 2015, p. 16), a autora destaca o domínio do
comércio alimentar por italianos e a importação de mercadorias sofisticadas,
como vinhos, azeites de oliva, frutas secas para saciar o gosto das elites,
assim como os utensílios de servir à mesa. Este ingresso de novos ingredientes
e utensílios a disposição no comércio carioca, até então ignorados pelos
habitantes locais, começou a mudar, pois as famílias mais abastadas começaram a
introduzi-los em seus lares.
Na sessão “Os Imperadores” (SILVA, R.
F. da, 2015, p. 20), Ana Roldão agrega outros elementos que alteraram os
hábitos dos cariocas. Um fato que impactou nos hábitos alimentares locais foi o
casamento de Pedro I com a princesa Maria Leopoldina, pois com sua união,
muitos comerciantes alemães se estabeleceram no centro do Rio de Janeiro. A
corte e as elites se alimentavam de mamíferos, crustáceos, moluscos, peixes e
guisados. No que tange aos doces, estes eram abundantes, visto a fartura de
cana-de-açúcar e os hábitos europeus, como ter sempre bolo à mesa. A vida
social era repleta de banquetes e festas.
A autora também resgata os primeiros
livros de culinária que aportaram no Rio de Janeiro na sessão “Livros de Cozinha” (SILVA, R. F. da, 2015, p.
23), destacando o primeiro livro de culinária portuguesa, intitulado “Livro de
Cozinha da Infanta D. Maria de Portugal”, que tratava da arte do bem comer e o
primeiro livro de cozinha do Brasil: “Cozinheiro Imperial”, publicado em 1830,
de autoria desconhecida. Posteriormente, surgiram outros livros, muitos deles
dedicados à doçaria brasileira e mesclando ingredientes nacionais com aqueles
portugueses.
O ciclo do café é outro período
importante para a construção da gastronomia carioca e tratado na sessão “A
Riqueza no Interior do Rio de Janeiro com as Fazendas de Café” (SILVA, R. F.
da, 2015, p. 27). O ciclo do café impulsionou o surgimento de cidades e vilas,
assim como de uma nova classe, os “barões do café”, que costumavam oferecer
grandes banquetes, inspirados nas casas reais europeias, com decoração
requintada e suntuosa. Assim, a nova classe econômica ditava moda, estilos e
modos de viver.
Outro tema resgatado pela autora é o
aspecto inicial que as cozinhas tinham até o século XIX. A cozinha residencial
no período colonial, apresentou-se como uma verdadeira fábrica de alimentos,
ocupando cerca de um terço da área doméstica e, quase sempre localizada na
parte externa das casas, visto o calor que ocorre nos trópicos e que deixava o
ambiente interno das casas insuportável. No final do século XIX, as cozinhas
começam a se aproximar das casas, ocupando os fundos do primeiro pavimento,
além disso, essa mudança foi impulsionada, em parte, pela revolução industrial
e o surgimento de novos equipamentos, como o fogão a gás. Esses fatos e outros
sobre as cozinhas do passado, são apresentados na sessão “A Cozinha e seus
Utensílios” (SILVA, R. F. da, 2015, p. 29).
Na sessão “A Era Confeitológica e o Rio
da Belle Epóque” (SILVA, R. F. da, 2015, p. 34), a autora traz um apanhado de
elementos sobre a implantação do projeto modernizador do Rio de Janeiro,
proposto no governo de Rodrigues Alves e, alavancado pela reforma urbana e o
movimento higienista e sanitário da cidade do Rio de Janeiro apoiada pelo
prefeito Pereira Passos e sob influência do modelo francês de urbanização. Este
período ganha notoriedade os cafés (estabelecimentos) frequentado por nobres. Assim,
o período caracteriza-se pelo estrangeirismo nas receitas e novos hábitos (como
os chás das 5 da tarde) e o surgimento dos restaurantes.
Nas sessões “Século XX” (SILVA, R. F.
da, 2015, p. 36), e “A Cidade Elegante” (SILVA, R. F. da, 2015, p. 37), Ana Roldão
descreve os impactos da queda do mercado de café e o fim da escravidão, para o
Rio de Janeiro, agora capital do país, que passa por uma nova reconfiguração,
onde há uma proliferação de feiras livres a partir de 1914. No início do século XX as cafeterias
tornam-se ponto de encontro social com a presença de ilustres intelectuais
(Olavo Bilac, Machado de Assis, entre tantos outros) e grandes fornecedoras dos
banquetes para as elites do Rio de Janeiro. Neste contexto, também
proliferam-se os picnics, muito comuns na cidade.
A última sessão do primeiro capítulo,
intitulada “A Gastronomia até 1960 no Rio de Janeiro” (SILVA, R. F. da, 2015,
p. 40), a autora mostra como a gastronomia carioca, até o início do século XX
apresentava uma influência portuguesa. Tinha pratos como rabada, sardinhas,
língua e bife de fígado. Após 1960, a gastronomia carioca ganha novos ares com
a figura do chef, inicialmente José
Hugo Celidônio e depois com a chegada de chefs estrangeiros, que deram início a
uma transformação na gastronomia carioca.
No segundo capítulo do livro, Luciana
Proés, pergunta a vinte chefs que escreveram ou estão escrevendo a história da
gastronomia carioca: “Que sabor o Rio tem?” (SILVA, R. F. da, 2015, p. 45),
pergunta esta que dá título ao capítulo. Neste capítulo, o livro passa a ter um
aspecto mais comum aos livros de gastronomia: as receitas, algumas
tradicionais, como a feijoada e outras com um apelo mais contemporâneo. Aliado
aos depoimentos de chefs como Flávia Quaresma, Claude Troisgros, José Hugo Celidônio,
Roberta Sudbrack entre outros, o capítulo, além das receitas, traz as opiniões
dos chefs sobre a gastronomia carioca.
No último capítulo, “Rio, Celeiro de
Produtos de Valor” (SILVA, R. F. da, 2015, p. 125), são apresentadas algumas iguarias produzidas no Estado do Rio de Janeiro, como
os queijos de cabra produzidos nas cidades Teresópolis e Friburgo; o parmesão
feito na Serra da Mantiqueira; cogumelos de Visconde Mauá, ostras e vieiras
cultivadas na Baía da Ilha Grande, entre outros. Neste capítulo, a autora Luciana
Proés, também apresenta uma lista de contato de
fornecedores dos mais diversos insumos alimentícios.
O livro apresenta uma caracterização geral da formação culinária e
alimentar do carioca. No entanto, resume a gastronomia carioca aos fatos que
aconteceram na sua capital, deixa de lado elementos que caracterizam a
gastronomia nas outras cidades do Estado do Rio de Janeiro. Entendemos que, o
livro limitou-se a resumir a cultura alimentar carioca a partir dos
acontecimentos da capital. Apesar disso, a obra traz uma grande contribuição
para a cozinha carioca, principalmente, quanto ao seu aspecto histórico,
influências e formação.
De forma
geral, o livro é bem escrito, está bem documentado, traz diversas imagens de
utensílios, pinturas e ilustrações de diferentes períodos da colonização do Rio
de Janeiro e resgata um lado importante e pouco lembrado, pelo menos, no
contexto geral da culinária local: a sua história. A obra é recomendável para
profissionais da alimentação, tanto nutricionistas como gastrônomos, que podem
compreender melhor sobre a formação dos hábitos e tradições alimentares do Rio
de Janeiro, assim como gestores e pesquisadores em geral, e, especialmente,
para jovens aspirantes da culinária carioca e brasileira.
Referências
1. SILVA, R.F. da. O Rio antes do Rio. 1. ed. Rio
de Janeiro: Babilônia Cultural Editorial; 2015.
Artigo recebido em: 13/03/2018
Avaliado em: 31/07/2018
Aprovado em: 02/08/2018
[1] Mestre em Administração
pelo Programa de Pós-Graduação Mestrado em Administração da Universidade
Federal de Rondônia - UNIR (2014). Instituição/Afiliação: Universidade Federal
do Rio de Janeiro. E-mail: itcasemiro@hotmail.com